Iniciativa potiguar incentiva reclusos a escrever e reconstruir identidade por meio da palavra

Post Images
reprodução

O projeto Escritores e Escritoras do Cárcere, desenvolvido pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN), venceu a 22ª edição do Prêmio Innovare, na categoria “Juiz”. A cerimônia ocorreu nesta quarta-feira 3, na sede do Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília, premiando sete iniciativas entre mais de 700 práticas inscritas em todo o País.

Idealizada no âmbito do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e Socioeducativo (GMF), a iniciativa estimula pessoas privadas de liberdade a produzirem textos literários e autobiográficos como forma de reflexão, responsabilização e reintegração social. Já são mais de 20 obras acompanhadas, apoiadas e algumas publicadas ao longo da trajetória do projeto.

Coordenado pelo juiz Fábio Wellington Ataíde Alves e pela servidora Guiomar Veras, o projeto utiliza a literatura como instrumento de recomeço. Segundo o magistrado, “homens e mulheres estão escrevendo suas histórias de vida e mudando a história de vida no sistema de Justiça. Nós estamos compreendendo o sistema de justiça do RN a partir da história de vida das pessoas encarceradas”.

A premiação também foi acompanhada pelo desembargador Glauber Rêgo, supervisor do GMF, que celebrou o reconhecimento. “Cada página escrita dentro de uma prisão é um grito de humanidade, é um grito de esperança no seu processo de ressocialização”, afirmou. Para a juíza Sulamita Pacheco, coordenadora-geral do GMF, o impacto ultrapassa o RN: “Ele mostra que é possível, através das letras e da escrita, se reintegrar à sociedade. Através do GMF, trazemos a possibilidade da sociedade, ao menos, respeitá-los e aceitá-los como cidadãos que são”.

Escrita revela novos autores no sistema prisional

Criado em 2012, o projeto foi pioneiro ao conectar a remição de pena à escrita literária e autobiográfica, metodologia posteriormente referendada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) por meio da Resolução nº 391/2021. Cada texto produzido pode gerar a remição de quatro dias de pena, após avaliação técnica e parecer do juiz coordenador.

Entre os autores revelados pelo projeto estão nomes como Newton Albuquerque, Amanda Karoline – hoje membro da Academia Brasileira de Letras do Cárcere e autora best-seller –, Lucas Barbosa de Melo Júnior, Carlos Romeu e Dalvanete Alves. As produções abrangem obras como A Escolha Errada, De Tambaba à Prisão, Poesia Livre e Tomadas de Decisões. Segundo o juiz Fábio Ataíde, só na Penitenciária Rogério Coutinho Madruga há mais de 30 internos produzindo literatura.

O escritor Carlos Romeu, que cumpriu pena de mais de oito anos no Presídio de Alcaçuz, onde teve o encontro com o projeto que lhe deu oportunidade de publicar seus poemas, relatou o impacto da iniciativa em sua trajetória. “No cárcere existem muitas carências. Mas a maior carência é a da humanidade. […] A literatura, realmente, transforma vidas”.

O projeto também envolve tutores e ativistas literários que realizam círculos de leitura e acompanhamento das obras. A servidora Sâmea Dias destacou o efeito multiplicador da iniciativa: “A gente vê todos esses anos se passarem e agora vir esse reconhecimento nacional, é gratificante. É preciso ter um reconhecimento nacional para que as pessoas comecem a acreditar e se transformar”.

Beneficiada pela iniciativa, a escritora Pâmela Dutra, hoje em liberdade, afirma que a escrita se tornou central em sua reconstrução emocional. “A escrita veio para estabilizar meus sentimentos e externá-los de uma forma mais leve. Minha expectativa é que eu não pare por aqui, mas que isso [escritores e escritoras] se torne uma regra”, afirmou.

Segundo o juiz Fábio Ataíde, o maior valor do projeto está em sua dimensão humana: a literatura como prática viva e transformadora. Para ele, o reconhecimento nacional reforça o caráter pioneiro da iniciativa: um modelo potiguar que inspira o país e oferece à população encarcerada a possibilidade real de reconstrução de identidade por meio da palavra escrita.

 

Jornalista | Palestrante | Assessora de Comunicação | Consultora em Gestão de Crise de Comunicação | Apresentadora de rádio e televisão.

Faça Login ou Cadastre-se no site para comentar essa publicação.

0 Comentários